No texto anterior da série (confira aqui), contextualizei de um ponto de vista histórico e filosófico as razões para que o ocidente tenha dividido a condição humana em duas metades: o corpo e a mente. Essa tradição sempre teve a tendência de hierarquizar um aspecto da dimensão humana em relação à outra, institucionalizando um corpo de ideias, teorias, pensamentos, sentimentos e práticas corporais que afetaram de forma indelével a maneira como percebemos a nossa própria realidade.
Muitos autores se colocaram contra esse tipo de dicotomia, afirmando a indissociabilidade entre o corpo e a mente. Um deles foi, sem dúvida, Joseph Hubertus Pilates. A importância dada a esse tema em suas obras foi tamanha, que Joseph Pilates sentia a necessidade, já naquela época, de promover um comitê para discussão do problema, veja:
“Agora é o momento para promover um comitê composto de personagens influentes, com o propósito de investigar o triste e deplorável estado de ignorância existente em relação a uma das mais simples, se não a mais simples lei da natureza – o equilíbrio do corpo e da mente – e a ausência de sua aplicação prática em nossos programas atuais de educação física e treinamento.” (pg. 41).
Percebemos no parágrafo acima que o desvio de uma “lei natural” da qual se refere Joseph Pilates é justamente o paradigma responsável pela cisão entre mente e corpo sustentado por séculos na cultura ocidental. Nesse caso, resta-nos entender duas questões: No que consiste equilibrar corpo e mente para o Sr. Pilates? Como o Pilates pode interferir nesse processo?
Para a primeira pergunta, Joseph Pilates responde claramente:
“O que é o equilíbrio do corpo e da mente? É o controle consciente de todos os movimentos musculares do corpo. É a correta utilização e aplicação dos princípios de força, de alavanca, proporcionados pela compressão dos ossos que compõem a armação óssea do corpo, um completo conhecimento do mecanismo do corpo, e uma compreensão integral dos princípios de equilíbrio e gravidade tal como aplicados aos movimentos do corpo em movimento, em repouso e dormente.” (pg. 42).
É muito interessante a visão de Pilates, pois ele coloca como base da integração entre corpo e mente o controle consciente dos movimentos, ou seja, é por meio da motricidade que encontraremos um caminho seguro para integrar funções como o pensar, o perceber, o sentir, o agir e nossa postura corporal.
Em linhas gerais, Pilates entendia que todo trabalho de auto-aperfeiçoamento deveria começar pela melhora na qualidade dos movimentos e que a base para a conquista de estados afetivos positivos reside em uma boa postura corporal. A primeira frase de seu livro RETURN TO LIFE THROUGH CONTROLOGY (1945) diz:
“O condicionamento físico é o primeiro requisito para a felicidade”.
Essa frase não deve ser interpretada de forma simplista, na base do quanto mais, melhor, afinal, quando ele fala em condicionamento físico o sentido desse conceito não se resume apenas a questões estéticas e quantitativas, mas relaciona-se com outros aspectos como funcionalidade, harmonia, autonomia, expressividade, aderência, prazer, observe:
“Nossa interpretação de condicionamento físico é a obtenção e manutenção de um corpo uniformemente desenvolvido com uma mente poderosa, capaz de realizar de forma natural, com facilidade e satisfatoriamente, as mais variadas tarefas diárias, com prazer e entusiasmo” (pg.95).
O principal aqui é atentarmos para o fato de que Joseph Pilates não reduz o conceito de condicionamento físico atribuindo ao corpo apenas a característica de uma máquina biológica que deve atingir níveis de capacidades físicas super-humanas para ser saudável. Ao contrário, ele associa esse conceito com o equilíbrio de um corpo que deve se desenvolver harmonicamente, em seus aspectos físicos, para que possa ter autonomia; com o desenvolvimento de funções psicológicas importantes como o pensamento, a concentração, a atenção e a imaginação; e com as possibilidades de desenvolvimento de nosso potencial afetivo e expressivo ampliando nossa capacidade de ação no mundo a partir de emoções e sentimentos positivos.
No próximo texto tentarei responder a segunda pergunta: como exatamente o movimento consciente pode ajudar para que o homem se torne um ser mais integrado consigo mesmo?
Até lá!!!
Alexandre Luzzi
Educador físico (Cref: 025495)
Sócio proprietário da Escola de Pilates clássico TAI KEN