Você conhece os princípios do Pilates e sabe o que isso tem a ver com o Crossfit? Saiba mais aqui: Matéria 1: Yin e Yang. Matéria 2: centralização.
Hoje vamos falar de concentração. As múltiplas acepções da palavra concentração permitem-nos, para efeito deste artigo, fazer uma livre abstração de seu significado:
CONC-ENTRA-AÇÃO, a consciência entrando em ação; ato de tornar-se consciente; ou estar no momento presente.
Em geral, as tarefas cotidianas tendem a ser efetuadas de forma robótica, executadas inconscientemente e com movimentos automáticos.
Nas práticas de atividades físicas não é diferente. Na academia, sentado na cadeira extensora, por exemplo, a mente do praticante divaga na busca de solucionar todos os problemas, sejam eles domésticos, profissionais ou até sentimentais. Alguns abandonam o corpo enquanto digitam nos aparelhos celulares, tentando à distância a solução de pendências; outros, absortos em distrações diversas, vão “preenchendo o tempo” de seu treino. A mente se esquece da tarefa principal de exercitar o corpo, para a qual foram destinadas aquelas horas do dia.
Dissociados, corpo e mente não permanecem presentes no mesmo momento, ou provocando grandes prejuízos ao objetivo final do treinamento físico. O distanciamento do cérebro do resto do corpo marca a falta de concentração do praticante e, ademais de outras consequências, atrapalha a contagem das repetições, a percepção da amplitude do movimento executado e as sensações das contrações musculares. Enfim, lá se foi o resultado efetivo de todo o esforço dispensado.
Uma reflexão sobre esse padrão de comportamento nas academias leva-nos aos seguintes questionamentos: seria essa a melhor forma de se exercitar? Estamos desenvolvendo a capacidade máxima de nosso corpo? Teria essa prática alguma relação com as lesões?
Com certeza, nos diferenciamos de outros seres vivos pela capacidade de executar diversas tarefas com objetivos e exigências distintas. A questão aqui é percebermos que a execução de um movimento corporal já é, por si só, uma tarefa complexa, a qual exige de diversos sistemas e estruturas do corpo humano. Ou seja, a atividade física engloba uma variedade de comandos cerebrais e respostas motoras que precisam estar integrados e íntegros para garantir uma boa prática física.
Desde o primeiro artigo dessa série, cuja a principal pergunta foi “O Crossfit é lesivo?”, temos reafirmado o método Pilates, como grande aliado ao Crossfit, no que se refere a prevenção de lesões. Dentre os seis princípios básicos do método, está o da CONCENTRAÇÃO, sobre o qual abordaremos agora com o intuito de responder os questionamentos acima.

Importância da concentração
Para Joseph Pilates, a concentração proporciona a conexão da mente com as sensações físicas, despertando consciência às partes a serem trabalhadas e integrando o corpo em uma só unidade. Essa consciência corporal possibilita o controle e a execução dos exercícios com mais eficiência muscular, articular e postural, dentro do limite saudável de cada indivíduo. A esse estado pode-se chamar de individualidade consciente.
Pilates e Crossfit são similares quando pensamos na complexidade dos movimentos. Ambos exigem a harmonização de todo o corpo para a execução dos exercícios propostos. No Pilates, a associação do trabalho de força, postura e flexibilidade conecta o corpo e mente em busca da eficiência dos movimentos, de forma que ocorre um trabalho ‘antagônico’ do corpo. Enquanto um grupo muscular executa contração efetiva, outro grupo muscular deve ser exigido em alongamento, simultaneamente. Para que isso se torne possível, é necessário que o praticante esteja consciente (concentrado), percebendo onde deve exigir tensão e onde deve exigir um estiramento. Assim, o corpo aprende e se adapta, modificando as alterações posturais e padrões errados de movimento.
Quando esse raciocínio é levado para um treino do Crossfit, onde existe a mescla dos movimentos aeróbicos e de levantamento de peso, é necessário trabalhar esse princípio. Por exemplo, em um WOD (work out of the day), se a mente se preocupa em apenas completar a quantidade de repetições exigidas ou com o cronômetro, sem dar a devida atenção para o que de fato o exercício requer, o trabalho corporal será diminuído e a eficiência das execuções será reduzida. Consequentemente, aumentará o risco de lesões.
Quando estamos alertas para as sensações no corpo, somos capazes de perceber os momentos de fadiga ou a perda da qualidade da postura do exercício. Como isso acontece?
Nossos músculos, articulações, ligamentos, e até mesmo as vísceras (como o diafragma), recebem e transmitem para o sistema nervoso as informações sobre localização, angulação e grau de tensão, favorecendo a regulação de todo o sistema postural do indivíduo. Em especial, os músculos possuem estruturas neurais que trabalham de forma consciente e também inconsciente, quer dizer, independente de nosso comando.
Quando permanecemos concentrados, as duas vias de informações nervosas nos permitem ajustes finos nos exercícios, protegendo as articulações de rompantes ou amplitudes que podem ser lesivos. O que nos diz que muitos dos desconfortos que sentimos ao longo do dia, poderiam ser evitados e tratados previamente se tivermos a consciência mais apurada para os feedbacks que o cérebro recebe do aparelho locomotor.
Por exemplo, o crossfiter praticante de backsquat que aprimorar a conexão entre a mente e o corpo e desenvolve consciência corporal, pode estabelecer um divisor de águas nas suas dores no joelho, uma vez que a sensibilidade mais aguçada lhe possibilitará perceber uma descarga de peso diferente entre os pés e/ou entre os quadris, ou até em qual fase do movimento a dor aparece, evitando assim, imediatamente, a sobrecarga em um dos joelhos e a consequente lesão.

Da mesma forma pode acontecer ao se realizar um HSPU (hand stand ush up), onde o desconforto no ombro, ou até mesmo na cervical, pode acontecer durante ou após o treino. A consciência corporal possibilita a percepção inicial de dor, informando se existe um lado mais forte que o outro ou falta de ativação muscular escapular para se estabilizar o corpo, causando a compressão do pescoço.

Benefícios da concentração
Por ser a provedora da consciência corporal, a concentração colabora para a prevenção de lesões; potencializa o trabalho muscular, pois a informação consciente é capaz de ativar mais fibras musculares, garantindo contrações musculares efetivas voltadas para a musculatura alvo, equilibrando o esforço com o grupo oposto que controla e estabiliza a articulação.
Essa percepção entre os agonistas (músculos principais exigidos) e os antagonistas (músculos que desempenham a função oposta) é amplamente trabalhada no Pilates, o qual exige constante manutenção do tônus postural na variação dos exercícios, que devem ser realizados de forma consciente, como se a mente, em constante raio-x do trabalho corporal global, excluísse posturas compensatórias.
Como último exemplo, observamos no Single Straight Leg Stretch, a força do abdômen que deve ser mantida juntamente com o alongamento das pernas, permitindo que a cabeça fique afastada do solo (alongando a cadeia posterior) e as pernas sempre contraídas, controlando a postura dos ombros e aumentando a flexibilidade. É este tipo de concentração que permite aos crossfiters realizarem movimentos mais rápidos, e com carga, em um treino mais seguro.
Lisia Lettieri Vidal
Fisioterapeuta
CREFITO 113680-F
@lettieri_saude_integrativa